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23 de março de 2012

Mario Cravo Jr. entrevistado

                                                                                                                               Foto: Isabela Oliveira
Em entrevista gravada concedida em julho de 2002 a Isabela Oliveira-diretora do Espaço Mario Cravo-Parque das Esculturas, Mario Cravo Jr. fala de sua experiência como professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, de como surgiram: a ideia de criação da Fundação  Mario Cravo e  Movimento da Arte Moderna.                             


Isabela - Mario, você, após defender Teses, foi agraciado pela Universidade Federal da Bahia com o titulo: "Notório Saber" e convidado pela UFBA para ocupar a Cátedra de Gravura,  como Doutor em Belas Artes, também foi convidado pela Universidade para ensinar Gravura na Escola de Belas Artes. Como foi essa experiência? 
MCJ - A nível de participar deste universo que chama-se Universidade Federal da Bahia–UFBA... Certa vez, uma menina procurou-me por telefone aqui no Espaço Cravo e perguntou que data eu havia saído da escola... (risos).
Foto: arquivo MCJ
Eu nunca fiz parte da escola, eu fui inicialmente autodidata, estudei muito e depois de ter exercido, instalei o curso de Gravura, (final da década de 50). Fiz as ferramentas que não existiam na praça e fiz as bancadas. Meus alunos foram, entre outros, Calazans Neto, Nilton Silva - famoso discípulo, grande desenhista figurativo. Então, convidei a universitária-visitante para vir aqui no Espaço Cravo, e dei-lhe o nome de duas Teses. Voltando a época,dos anos 50, eu estava interessado na atividade acadêmica, com a oportunidade de ser nomeado, dava pra sustentar a família, despesas básicas... Mas aí eu comecei a exercer essa atividade de professor, naturalmente depois de responder as Teses, preparar os instrumentos para o trabalho, e então comecei a ensinar Gravura na Escola de Belas Artes.
Isabela - 1955 - Escola de Belas Artes. Qual era a filosofia que Mario Cravo tinha em mente que veio dar origem a Fundação Mario Cravo ?
MCJ - Então, a angústia de dificuldades de meios, verbas, e toda uma estrutura hierárquica montada pelo professor que diz que ele é melhor aluno do que outro, dar uma nota... É curioso, porque não havia nada que indicasse a sobrevivência daqueles alunos. Dos professores sim, porque nós tínhamos e fizemos concursos para termos um "ganho" certo, mensal. Mas os meninos, que de graça ingressaram na Universidade Federal, o que eles recebiam? Ou seja, o Sistema formal de ensino não tinha nenhuma ligação com a vivência e a atividade dos artistas plásticos da cidade de Salvador. Por isso pedi a você Isabela, que relesse o discurso que fiz como paraninfo. Mostrando, a palavra clara é essa: a total alienação desse sistema de aferição de valores, de notas e de verdade artística, ou seja, um sistema que você tem que copiar um modelo para aprender a fazer arte e receber graduações e notas. Mas essa disciplina... quando se questiona como é que as pessoas têm que fazer arte copiando determinadas posições, determinadas luzes, aí então, a resposta, a justificativa é esta: "Primeiro nós ensinamos a obedecer, a disciplina, e depois quando saírem da Escola de Belas Artes, eles então, terão a liberdade de fazer o que quiserem." Isso é um contra-senso total e absoluto, porque se você não aprender a usar a “liberdade” no inicio de sua atividade auto-disciplinadora, você jamais terá a chance de contribuir com algo de diferente, de novo, a não ser aquele sistema que na época funcionava a maneira da Academia Juliano e, possivelmente, continua até hoje. Todo esse período que eu dei esse curso de Gravura, depois me nomearam, daí veio Henrique Osvaldo que fez docência e ocupou a Cadeira, então eles me pediram para dar um curso de Escultura.
Isabela - E o que fez?
MCJ - Durante esse período da década de 50 a 60, eu vi que não podia fazer absolutamente nada, porque aquelas normas disciplinares, privam toda e qualquer capacidade inventiva e curiosidade dos alunos, e de todo e qualquer individuo com algum talento, com algum jeitinho pra criatividade... Então com aqueles 4 anos lá, está totalmente castrado. Eu perguntava: Mas rapaz, como é que vocês podem ensinar assim? Depois, me pediram pra fazer um esboço do que seria um Curso de Escultura da Escola de Belas Artes. Havia na época um acontecimento musical na Bahia, que o professor Corroid - famoso maestro, (durante período como esse agora, de São João), vinha à Bahia e com a grande orquestra que havia na Universidade e também já havia sido instalado o curso de música, de dança e de teatro. E Lina (Lina Bobard) no Museu, nessa época, eu a convidava para Salvador. Perguntava aos alunos da EBA/UFBA: Vocês não trabalham? Não têm coisas pessoais, algumas invenções que sejam um pouco da sua maneira de ser? As pessoas não tinham. Então, eu disse: vamos fazer o seguinte, vamos fazer uma experiência! Como meu atelier era grande, na Garibald, é ainda. Eu me dirigir aos alunos da Escola de Belas Artes, a um grupo deles, e disse: Vocês alegam que não têm espaço, alegam que não têm material e alegam que não têm possibilidade de alguém que ajude vocês, a criar e inovar qualquer coisa a vontade. Então vamos fazer o seguinte: Eu convido aos interessados, vocês vão para o meu atelier que é aqui perto da Escola, (era um período como esse agora de férias e acontecia a Semana Musical do Professor Korroid), e eu vou dar a vocês assistência pessoal, vou dar a vocês material e vou dar tempo, e vocês, não vão se lamentar mais porque não tem material, espaço, assistência, técnica... (pensa)
Isabela - E deu liberdade! (afirmei)
MCJ - Total. E apareceu o questionamento: E diploma? Eu digo: Não, não, nada de diploma, vocês vão fazer um estágio no atelier do escultor Mario Cravo, e depois disso, quem chegar ao fim desses 15 dias, nós podemos fazer mais 15, mais por enquanto são quinze dias. Apresentaram-se então, cerca de 25 à 30 pessoas, dos quais, pelo menos 1/3 eram professores da própria Escola de Belas Artes. Então, foi uma experiência única, havia euforia! Marcamos o dia para iniciar a atividade e disse: Eu ensino a vocês às técnicas, todas as que vocês desejarem. Ensino Gravura, ensino Escultura, ensino Desenho, Modelagem que vocês chamam de Escultura em Barro, ensino Gravura - tenho a prensa, (nessa época a prensa estava lá). Em fim, dou toda a assistência e tempo. E vocês têm todo o espaço de tempo de dia e de noite, eu deixo aberto o atelier, ficarão aqui as pessoas, o tempo que desejarem. Ou seja, estão aí as respostas às dificuldades que todos vocês alegam ter, para praticar a atividade criadora, para praticar as artes visuais.
Havia classe média e a pequena burguesia baiana na Escola, fazendo sua graduação, e também pessoas de classe média baixa. Então começaram, as pessoas de classe alta a se ajustarem com pessoas mais humildes do povo: dois negros, tinha um mulato, começaram a se agruparem e uns a ajudar as professoras que também faziam parte desse encontro. Então eu assistir a um fenômeno curioso! No primeiro dia foi um sucesso, eu digo: Olhem, aquelas pessoas que não têm vontade de fazer coisas com as mãos, tem uma ala reservada que eu utilizo, de vez em quando... para vocês discutirem arte, a maioria de vocês têm ansiedade, inquietações, pois bem; terão tempo para discutir o problema da arte e eu darei assistência a vocês.
Ou seja, não teria na minha visão, nada a ser desperdiçado. Isso começou 8h, (a atividade), formaram os grupos, (isso meus filhos eram ainda jovens, não devem lembrar), então se distribuíram, era cerca de 9 horas, uns estavam conversando, daqui a pouco começaram as solicitações, um pediu: -- Resina! Eu quero resina! -- Pois não meu filho, tá aqui a resina... Então, começaram a catar pontas de cigarro e jogar dentro da resina, no pretexto de se expressar liberdade e conquista de novas técnicas e novos materiais. Nisso, entre 11h e 11:30 foi havendo um certo silencio, depois, eu atendi algumas pessoas que queriam informações sobre arte, sobre Gravura; virei para o atelier que é grande, (sei lá 20 por 50 metros - um galpão), e observei duas ou três pessoas que estavam saindo, ou seja, inesperadamente sumiram as pessoas, desse primeiro encontro - era meio dia e a professora que tem filho, tem que buscá-lo na escola... Depois, apareceram na parte da tarde, cada qual com suas justificativas, cada qual tinha obrigações familiares, domésticas. Tudo bem, tudo legal. Isso se processou durante 4 a 5 dias e, dentro de 10 dias, só tinha 3 pessoas realmente interessadas frequentando  Ou seja, mesmo que se forneça todos os matérias necessários, ambiente, técnicas, os indivíduos em busca do têm seus compromissos, todos eles se adaptam ao sistema formal que é a Escola de Belas Artes, que lhes dar o título do nível universitário, depois casam, têm filhos; a profissão - abandona ela completamente, quando não, vão ser professores de arte de escolas particulares. Foi essa experiência curiosa, que eu não vou me detalhar muito agora, depois irei fazer com mais calma.
Com essa experiência é que me veio a ideia de fazer o contrário, pensei: Eu vou ver se faço uma organização, uma fundação e, essas pessoas que estão realmente interessadas, vêm a isso, e quero ver de que forma elas aparecem para mostrar aptidões, ou seja, vai um filho porque mamãe gosta que ele venha a ser artista, acha que o filho tem aptidões, no fundo é ela que gostaria de ter a experiência e joga isso pra cima do filho. É tudo muito simples. Perguntava: O que gostaria de aprender? -- Ah! Eu gostaria de trabalhar em madeira! -- Tudo ótimo, eu lhe dou aqui um pedaço de madeira, está aqui o serrote, você serra e vamos fazer uma coisa diferente. Obviamente que ele dava 4 ou meia dúzia de corte de serrote e...
A soma das minhas experiências com todos aqueles familiares e jovens alunos e professores da Escola de Belas Artes, eu vi: não havia possibilidade de jeito nenhum, com esse sistema implantado, de se fazer alguma coisa, portanto, qual foi a minha idéia? Com as amizades que tenho: Carybé, em fim, amigos da minha geração, porque é isso que publiquei e disse naquele discurso de paraninfo que pedi a você que lesse.
IsabelaEu li e gostei muito.
MCJ – É isto aí. E temos que ter uma compreensão de que: Habilidade não é criatividade. Tem pessoas que tem habilidade, mas não têm persistência. Têm pessoas que têm habilidade, tem persistência, mas não têm imaginação, e assim eu posso fazer uma série de 6 a 8 a 10 combinações. Tem os elementos pelos os quais a pessoa dar pra se revelar um pouco como um possível artista plástico. Essas combinações serão testadas num certo período de meses, anos, não se pode fazer isso em 24hs.
Então pensei na possibilidade de ter esses artistas meus colegas, que iriam ajudá-los, primeiro a visitá-los, para saber como vive um artista, qual é o material que ele usa.
Isabela: Mario, você recebeu apoio? Alguém em especial? Fale-nos do Movimento da Arte Moderna?
MCJ - Foi importante por exemplo, Valladares para nossa geração, começamos aqui por que José Valladares, (que era um homem comum da estrutura de poder - diretor do Museu de Arte do Estado hoje Museu de Arte da Bahia), sabendo de nosso interesse, nosso entusiasmo... (éramos 5, 7 jovens). Então perguntou-me: -- O que é que vocês querem aqui? O que é que vocês gostariam de aprender? E concluiu dizendo: -- Eu quero investir um pouco com essa parcelazinha mínima. Isso foi no Atelier da Barra, que agora Matilde (Matilde Matos) quer escrever sobre o assunto. Foi o inicio da Arte Moderna. Foi importante Valladares, por ter se sensibilizado da nossa curiosidade daquele momento, e pegou uma verbazinha de nada e disse: -- O que é que vocês que trabalham juntos, dentro desse edifício? O que querem aplicar em beneficio da curiosidade de vocês? E eu disse: Porque não Gravura que não se conhecia? Tá vendo Isabela onde é que vai parar o negócio?
Então, Valladares, invés de chamar um velho e notório gravador (aí vem outro problema), ele teve a sensibilidade, de pôr na mão de uma dúzia de jovens que começavam, um pouco de dinheiro pra comprar uma prensa de Gravura. Aí eu fui comprar com ele no Rio de Janeiro, uma prensa de Gravura que estava jogada num galinheiro do diretor da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Uma prensa quebrada, que eu com minha habilidade mecânica de meus restauros, recuperei. Depois em São Paulo, compramos um fornozinho de cerâmica pra fazer vitrificações - pequenos cinzeiros pra começarmos a fazermos coisas pra ganhar dinheiro. Assim começou! Ele mandou chamar, não um velho notório, professor que ia ditar ordens, chamou um homem de nossa idade, Poti Guara Brasileiro, deu à ele 15 a 20 dias na Bahia. Assim nasceu a Gravura, esta Gravura que depois eu fui Docente na Escola de Belas Artes, na UFBA.
Eu tô dando a você Isabela esses flachszinhos, essas lembranças, pra se ver o que acontece, coincidências! (risos).
Isabela - Agradeço meu querido, foi uma delicia! Aliás tem sido um a experiência única para mim, principalmente pelo aprendizado que é o convívio diário contigo e porque tem sido possível aplicar esse sistema de aprendizado pioneiro criado por você aqui com para jovens e crianças, estudantes da rede de ensino! Eu agradeço por ter sido, por você, inserida neste seu universo para de alguma forma colaborar!
MCJ - Não há de que! (risos)

Um comentário:

  1. Adorei a entrevista! Consultei as demais páginas do blog para conhecer o trabalho que vem sendo realizado e o que posso dizer é: Parabéns, escultor Mario Cravo o trabalho que o senhor faz em beneficio da arte e cultura de nosso país, principalmente através de nossas crianças, é fantástico!!! Parabéns também a Isabela, afinal a equipe é pequena, mas os resultados de utilidade pública podem ser vistos. Maior reconhecimento e apoio de nossos governantes é o que falta. Afinal, Grandes mestres precisam ser além de homenageados, precisam de apoio efetivo para execução de seus projetos. Vanessa Barbara Jornal Folha de São Paulo.

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Este blog foi criado por Isabela Oliveira sob a consultoria do escultor Mario Cravo Jr. Sua opinião é importante - manifeste-a

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