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16 de março de 2011

Opiniões sobre o mestre Mario Cravo Jr.

Foto: autor desconhecido       O Experimentador
(de Jacob Klintowitz)
do livro: "Mario Cravo Jr. Desenhos".
O número de obras e os materiais variados de Mário Cravo Jr. é espantoso. Pneu de trator, sucatas de máquinas industriais, restos de madeira queimada, resinas sintéticas, ferro, madeira, pedra. Cada material tem um destino próprio: esculturas giratórias, esculturas dirigíveis, signos metafísicos, exús, figuras humanas, sereias, totens. Esculturas eólicas, stabiles, mobiles, figurativas, abstratas, públicas. Acresce-se a esta lista que poderia ser interminável, pinturas e desenhos feitos em computador.
E o próprio Mário Cravo Jr. tem qualquer coisa de espantoso. Agitado, falante, discursivo, peripatético. Muitas vezes temos a impressão de um Mário ubiqüo, o número prodigioso de obras, algumas imensas, a sua resposta imediata aos estímulos. Muitos Marios. É de uma curiosidade insaciável, interessado nos assuntos mais variados, desde a ciência do cosmo até as do comportamento. Gosta de saber do mecanismo das máquinas e objetos, não como um cientista, mas como um mecânico, alguém que logo pode estar diante da necessidade de por em funcionamento uma máquina ou objeto igual. Má- rio Cravo Jr. é o homem que investiga. Algumas esculturas conservam este jeito de brinquedo de menino, quase podemos montá-la e desmontá-la. Escalar, dirigir como um avião, sonhar essa escultura com uma espécie de vela como barco ousado a singrar as águas. Outras esculturas movem- se no pequeno lago impulsionadas pelo vento, deslizam como cisnes indolentes.Este homem que investiga propõe olhar diferente para objetos velhos: recicle a sua maneira de olhar. O pneu é acrescido de uma esfera vermelha e se transforma em escultura ideogramática. A máquina obsoleta torna-se guerreiro, pássaro, exú: E, as vezes, não se torna nada conhecido, não lembra nada, é um mecanismo simples ou complexo, fascinante, e sem sem qualquer semelhança com o já visto. É um objeto inútil e esta é a sua glória, a de existir pelo puro prazer da existência.As esculturas ocupam espaço, conversam ente si, convivem em proximidade que pareceria impossível, são diferentes uma da outra. Em nenhum momento temos a monotonia das séries, fieiras de esculturas quase iguais, renque repetitivo de objetos sem novidade. E quando são geométricas na sua repetição, parecem programas de computador, tiradas tal qual a máquina forneceu. Não posso saber o que o público sente com as esculturas de Mário Cravo, mas eu sinto prazer, como o artista parece ter ao criá-las.Primeiro, na sua casa, hoje no "Espaço Cravo", no belo Parque Metropolitano do Pituaçu, eu sinto enorme prazer. Estará fora de moda ter prazer na contemplação da arte? É tão trepidante estas esculturas, a experimentação permanente, a ousadia. Algumas olhamos mais de uma vez, pois a composição é inovadora, o eixo central está deslocado. Outras, obedecem um código genético interno e vão crescendo e se expandindo em direção ao céu, ao oeste, ao sul. Umas desobedientes, já se vê.
É evidente que a possibilidade do erro é grande, mas esta é característica do trabalho não burocrático. E dá uma idéia do artista, o risco assumido de errar mesmo depois dos setenta anos. Completamente irresponsável o seu único compromisso é com o processo criativo. O artista que produz estas obras, é amoroso com os materiais, puer a experimentar o mundo.Em 1987, quando de sua exposição na galeria A.M. Niemeyer, no Rio de Janeiro, Mario Cravo fez um depoimento definitivo sobre a escultura brasileira e a sua posição. Lembrou as permanentes queixas das dificuldades, as lamúrias de todos. Em 1951, o escultor suíço Max Bill foi premiado na I bienal Internacional de São Paulo e Mário Cravo estava lá, participando como jovem escultor. Admirou a peça de aço inoxidável de Max Bill, reconheceu o valor do artista e sua contribuição à linguagem da escultura contemporânea, mas ficou seguro de que aquele não era o caminho para o artista nacional:“...Percebi então, que objetos com aquelas dimensões, matéria e forma, representam uma contribuição na área da escultura como linguagem, porém pobre como estímulo a ser seguido, pela total incapacidade de realizarmos algo similar no nosso país.Executava então esculturas de materiais disponíveis; madeira, pedra sabão, arenito e sucata de um modo geral. A apropriação, o desmonte, a fragmentação, assim como a reorganização, a assemblagem, pintura ou pátina, fazem parte de um vocabulário universal que os escultores lançam mão ao seu bel-prazer.”E eu, pelo meu lado, já percebi que quando um artista toma uma decisão ideológica, como essa do Mário Cravo, devemos confiar pela metade. É tudo verdade, mas a motivação principal é que este artista gosta de trabalhar com materiais não convencionais. Poucos escultores contemporâneos terão utilizado de maneira tão sábia o detrito, a sucata, o material desprezado. Ou o material com carga histórica, mas destruído. Como foi o caso das madeiras queimadas do mercado modelo que o artista utilizou para construir cinco Cristos dionisíacos, vitoriosos. Em 1986/67, Mário Cravo fez uma série de "Exús" com a madeira queimada da antiga Casa da Alfândega, do século XIX. Uma admirável característica dos verdadeiros artistas é que a boa teoria resista ao trabalho de sua mão, ou seja, ele experimenta no seu atelier para saber se a teoria é boa ou não...Mario Cravo Junior é um artista pesquisador, curioso de todas as coisas, inventor de formas e experimentador de materiais e instrumentos, num trabalho ciclópico. O mundo está aí para ser descoberto, como se ele fosse habitante de outro planeta que, por acaso, descobriu-se aqui. Lembra, neste particular, Leonardo da Vinci que parecia não ser daqui e por isso precisava tudo estudar, o corpo, a folha, o ciclo das águas. Mário Cravo é também um viajante do tempo que atravessou uma barreira inesperada e, agora, precisa entender este mundo daqui. Viajante.
NOTA: [Jacob Klintowitz é um dos maiores Críticos de arte, da atualidade, é jornalista, editor de arte, designer editorial. Recebeu Prêmio Gonzaga Duque da Associação Brasileira de Críticos de Arte, pela atuação crítica no ano de 2001. É autor de 110 livros sobre teoria de arte, arte brasileira, ficção e livros de artista Tem sido Curador de dezenas mostras, entre outras, de exposições como “A Ressacralização da Arte” (SESC Pompéia), “Um século de Escultura no Brasil” (em co-autoria com Pietro Maria Bardi – Museu de Arte de São Paulo), “Formas e Ritmos na Arte Brasileira” (Museu de Charlottenborg, Dinamarca).]
Mario Cravo por Carybé
Texto de Carybé extraído do livro "Mario Cravo Jr. Desenhos". Foto: autor desconhecido
A treze de abril de 1923, na Ribeira de Itapagipe, Salvador, Bahia, lugar festeiro, trafegado por marinhagem e operário das fábricas de Periperi, habitado por pacatas famílias de comerciantes e empregados públicos, nasceu Mário Cravo. O menino tinha os olhos azuis que nem o mar. Sua mãe preta foi Mariá, em cujo fartos peitos mamava bem. Nas festas de Oxalá, digo, do senhor do Bonfim, e na segunda-feira da Ribeira, entrava em determinadas rodas de samba escanchado nos quartos de Mariá e sacolejava com grande contento e bom compasso, chorava para que Mariá lhe desse o peito e aí dormia, sereno. Seus tenros anos passaram com o mar pela cara, o mar e o céu azul, dourado à tardinha que nem os altares de São Francisco ou os acarajés de Vitu. Quando seu Cravo foi eleito prefeito de Alagoinhas, a família toda se mudou. Mario brincava agora nos enormes barracões de fumo, escalando as montanhas de fardos, aprendendo nome feio ou voando pelos ares agarrado nas varas da prensa. Também espantava cabras e roubava cajaranas dos quintais. Na idade escolar, veio à Bahia para estudar no colégio Antônio Vieira. Ali, chefiou duas revoluções e, durante sete anos, tornou impossível a vida do irmão Castanha (velho português que pedia, por todos os santos, não jogassem gelo na pia para que não entupisse). Fez teatro improvisado e, secretamente, virou Flash Gordon (herói de sua geração). Desenhava máquinas interplanetárias e vivia a olhar o céu das janelas do internato, à procura do planeta Mongo. O padre Torrand, velho cientista, aproveitou esse entusiasmo para despertar-lhe o interesse pela astronomia. Na fazenda que o pai comprou em Catu, no cocuruto de um morro, montou um observatório. Ali passava as noites, perdido nos vastos campos siderais, a imaginação viajando por galáxias e planetas em máquinas engendradas na hora, munidas de tentáculos, antenas ou formas específicas, próprias para alunizar ou flutuar nas turbulências de uma nebulosa qualquer. De madrugada, no entressono, as máquina voltavam e aterrissavam, mansas, em seu subconsciente. Penso que, nas esculturas atuais do Mario, fragmentos desses engenhos voltam das profundas do seu ser.
Em Catu e Cipó, começa o adolescente a modelar com as argilas do Itapicuru. Com surpresa, percebe que suas mãos condensam, dão forma, fixam gestos, linhas, superfícies que seus olhos enxergam nas coisas que o deslumbram. Faz escultura realista. Bustos de mulher, figura e o retrato de Maria do Galo, mulata de cadeirame maciço e coração velhaco.
No subconsciente, o arsenal de máquinas celestes dormirá por muitos anos. As formas brotam, seu tato se refina, é quase tato de cego, seus olhos espiam a vida e vão para a gema dos dedos, que afundam na argila com a mesma veemência que no colo das cabrochas de beira-rio.
Ás vezes, o ataca uma necessidade explosiva de ver, correr, voar, expandir-se sua motocicleta, cabra – pégaso de chifres niquelados, minotauro dos ventos, que, com seu ronco medonho, espalha o terror entre os frangos e meninos das povoações, engole as estradas do sertão e as verte na mesma hora entre detonações e nuvens de poeira que encardem mais os couros dos vaqueiros, as bruacas e os corotes de cachaça.
Rasga o tempo e o espaço, preso ao guidom da motocicleta como se fosse à rabiça de um arado, e vai semeando-se de geografia, que é a escultura mais extensa que há. As pedras de Milagres o deslumbram, são bizarrias geológicas, quase esculturas feitas pelo vento, lagedos enormes, figuras gigantescas, caras, cidades, colunas, bichos, castelos, tudo entre o real e o faz-de-conta; e cavernas de boca escancarada e desenho de índios na barriga.
Em Mario, surge uma idéia que até hoje o acompanha-transformar essa zona em parque nacional e esculpir nessas pedras, não só ele, mas todos os escultores do mundo que tiverem vontade e força para tanto. Sente necessidade, fome de esculpir, a argila é mansa demais, procura novos caminhos e, para isso, vem a salvador para estudar na oficina de Pedro Ferreira, mestre santeiro da melhor qualidade, com quem aprende regras gerais de anatomia e proporções, trava combates com o cedro e o jacarandá, aprende os segredos do oficio e a dificílima técnica de afiar goivas e guidavis. Nesse tempo, ainda havia mestre Artur Costa Lima, no Taboão, mestre Aloísio, no Terreiro de Jesus, mestre Vicente, com metade do escudo do império tatuado no braço (trabalho inconcluso devido ao 15 de novembro de 1889, que o obrigou a andar muito tempo de camisa de manga compridas) e Pedro Ferreira e Alfredo Simões: os dois ainda vivos e trabalhando.para Mario, esse horizonte de altares e oratórios era limitado demais: cristos, conceições, santantônios, lázaros e gabriéis, mais já sem o vôo de um chagas,”o cabra’’.
Tudo acontecendo num ambiente crepuscular, submisso a cânones, afogado em rotina, acanhado. Por contrastes, começa a estudar o mundo em que vive, o afro-baiano que começou nos seios fartos de Mariá Mundo abstrato no qual um deus pode ser uma pedra, uma árvore ou um conjunto de palha, contas e búzios, mundo cujo epicentro é a lua de couro dos atabaques.
Os europeus nos trouxeram coisas concretas, palpáveis, arquitetura, pintura e escultura; e os africanos, metafísica, Metafísica, além da sua presença e certos gostos, sons, sabores, cheiros e aromas que são o cerne da Bahia. Mas, a não ser umas poucas peças de escultura, nada de palpável, de sólido, só uma tremenda força espiritual que impregnou a cidade. Nisso andava o Mario, quando Lúcia, com sua doçura, tomou conta de sua vida. Casam e partem para o rio, onde Mario passou a trabalhar no atelier do escultor Humberto Cozzo. Lida já com outros materiais, familiariza-se com novas ferramentas e técnicas, discute, lê, assimila.
Sentindo-se já dono do oficio, escreve para o escultor Ivan Mestrovic, manda-lhe fotos de trabalhos, e o iugoslavo o aceita como aluno especial de seu curso, na Universidade de Syracuse. Mario trabalha em escultura em gesso, de grandes proporções, e vive a vida carunchada e torta do Village, dos Beach cobra (hoje beatiniks), dos porões das jam-sessions, das madrugadas de nova Yorque, onde, em vez de galos, contam Billie Holliday ou trompetes mal-assombrados. Ali ele afundou e se esponjou no melaço gordo do jazz, viu museus, trabalhou e deixou crescer a barba. Foi já barbudo que o conheci. Seu atelier era numa obra abandonada no Porto da Barra, itinerário de todos os artistas, o quartel-general da renovação das artes na Bahia. Ali havia sempre arquitetos, pintores, escultores, críticos, curiosos, gravadores, cineastas, grandes bate-papos e café. O mais importante era a generosidade de Mario quando ao local, ferramentas, diálogo e materiais de que os artistas necessitassem. Se fossem principiantes, recebiam, também grátis, doses maciças de entusiasmo e orientação. Dos muitos que ali aportaram, como eu, lembro-me do Poty, que veio ensinar água-forte e produziu uma série magnífica de gravuras da Bahia; e de um rapaz escuro, que o Mario contratou como machadeiro, para desbastar troncos enormes, fazia carvão em Itaparica e manejando o machado, era um verdadeiro artista. Sem o machado, também. Tratava-se de Agnaldo dos Santos, que, graças ao Mario, pôde abri as comportas do enorme potencial de sua sensibilidade. Mary Vieira, Rubem Valentim, Lênio Braga, Aldemir Martins, Marcelo Grassman e muitos outros usaram o casarão, uns para trabalhar, outros para encontrar seu caminho.
Quanto ao Mario, trabalhava sem trégua, desenhava, esculpia e ria muito do seu subconsciente descolava as misteriosas máquinas da adolescência para integra-se em formas vegetais, animais ou puras, numa confirmação do barroco, não digo como estilo, mas como estado que deliberadamente exaure, ou pretende exaurir, todas as possibilidades de uma forma. O homem parecia um possesso: pedra, madeira, mármore, ferro, chumbo e cobre se transformavam em suas mãos; e essa vitalidade, essa força e alegria de trabalho nos contagiava.
Não era uma escola ou um grupo; éramos homens com vontade de fazer arte e a fazíamos, cada qual a seu modo, e como podíamos, mas respirando amizade e compreensão. Do Sul, chegaram Pancetti e Djanira; do Norde, Jenner e José Cláudio; da Alemanha, chegou Hansen (hoje Hansen Bahia); da França, Pierre Verger; da Argentina, eu; da América, Dick Menocal. A Roma Negra, como Bastide a batizou, a Velha, como a gente a chama, enfim, a Bahia amorosa, clara, esotérica a todos dava paz e o alimento preciso. Fizemos muitas viagens de resgate pelo Nordeste todo, ora num subversivo Skoda, ora num jipe com caçamba, cuja figura de proa era um Exu vermelho, de ferro. Em geral, a tripulação era: Mario, Agnaldo, Jenner, Verger e eu. A volta se dava na maior das incomodidades, pois o espaço, já por si acanhado, era disputado por sacos de ex-votos, santos salvos de morrer nas torturas do cupim, cerâmica popular, enfim, tudo o que, para nós tivesse interesse artístico ou nos revelasse uma forma nova.
Numa dessas viagens, fomos a Caruaru especialmente para visitar o Vitalino, fizemos uma compra grande e ele se prontificou a embalar as peças. Pôs tudo direitinho dentro de dois caçuás socados de palha de bananeira, que é como ele levava, em seu cavalo, as peças para o jipe. Não chegou nada inteiro. As peças, com a trepidação, foram-se limando umas as contra as outras, e ainda me lembro de um vaqueiro montado, surrealista, com meia cara na vertical do lado esquerdo e o cavalo comido no lado direito e na horizontal, peça que teria feito Salvador Dali estremecer de gozo. Destas viagens, regressávamos empoeirados e fedorentos como cruzados e, como eles, com a sensação do dever cumprido, o dever de preservar o patrimônio nacional.
Entre viagem e viagem, Mario trabalhava como um dínamo, uma erupção. Para confirmar isto, transcrevo trecho de um artigo do critico mais sóbrio em palavras que conheci, o José Valladares: “... convenientemente a escola de arte a que Mario Cravo pertence, Blitzkunst, ou seja, arte relâmpago, arte alta-rápida, vertiginosamente criada para ser vista com rapidez, ofuscante, às vezes temível, mas, é mister salientar, tão respeitável como as forças da natureza... neste ponto ele é o legítimo herdeiro das tradições de sua terra natal e herdeiro daquilo que o barroco possui de mais profundo, que a conquista do espaço e sua elaboração num plano dinâmico, e não como muita gente pensa e desafortunadamente pratica, a opulência e extravagância decorativa...’’
A Bahia deve a Mario a recuperação do Solar do Unhão e a instalação nele do museus de arte moderna e de arte popular. Foi por insistência dele que a arquiteta Lina Bo Bardi desistiu da construção de um prédio específico e tratou da restauração do Solar. Só a escada que criou vale o gesto.
Em 1964, o Senado de Berlim e a Ford Foundation o convidam como artista-residente. Parte com a família toda e se instala em Spandau. É lhe concedido um atelier, na Zitadelle, antiga fortaleza onde na segunda guerra mundial, era guardado o tesouro do 3 Reich e alguns presos importantes. Foi um ano de exposições e viagens, já não era o centauro solitário da motocicleta nem o Mario da trigésima Bienalle di Venezia, onde representou a escultura do Brasil, e quando em apenas quatro meses, fez milhares de quilômetros e viu tanta coisa que voltou com esgotamento nervoso, onde nos encontramos, fora memoráveis dias de vinhaça, sardinhas assadas e figos maduros, juntos fomos a Coimbra, Óbidos e ao porto e, em Braga nos separamos, ele ávido de pinturas rupestres e eu doido por ver o grego em sua Toledo. Convidados pelo departamento de Estado Norte-Americano, lá se vai com a família para os EUA: mais exposições e conferências e no meio disso tudo, a pedido de amigos, aceita a direção dos museus de Arte Moderna e de Arte Popular, que havia ficado acéfalos. Voltou.
Dois anos de trabalho e viver, de ver e sentir a Europa de coração aberto, de bisonte de Altamira ao Vedova, das autobahns aos mosaicos de Ravena, da bauillabaisse ao chucrute, do recolhimento da Zidatelle ao traquejo diário com artistas vindos de todo o mundo para Berlim. Houve sempre uma grande peleja entre Mario e a Bahia, algo desafinava entre os dois no Unhão: enquanto ele pensava a velha (Bahia) jogava–lhe na cara o céu azul-mar. Mario ruminava panificações monótonas (canoas passando nas janelas azuis), burocracia lenda (canto de lavadeira chegando da Gamboa, fartum de maresia e a dourada feminilidade dos mamoeiros), paciência e discussões sem fim (poentes de imensa paz incendiada), conferências, audiências, às dezessete e trinta, requerimentos (o barroco modesto da igrejinha, as mangueiras testiculares e os muros caídos e leprentos de musgo). Aporrinhações ministeriais (Lúcia e os meninos, fruta-pão, carne-do-sol, aipim e munguzá na mesa do jantar). A velha (Bahia) ganhou. Ganhou, mais foi um tempo turbulento, de harmonizar, de corrigir dissonâncias. No profundo lá dele tudo ia-se somando, formulando um novo ímpeto que brotou na porta do maçarico. Em fins de 66, fez três exposições quase simultâneas: Brasília, Rio e São Paulo.
A primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas, aprontou sete esculturas, criadas em intenção às proporções do claustro do convento do Carmo-uma formulação toda nova em conceito e forma, com peças que vão dos três aos sete metros de altura.
Agora terminou uma fonte nos jardim da Bolandeira, que tem a altura de um prédio de sete andares. É feita de enormes válvulas, junções que mais parecem joelhos de fósseis, tubulações gigantescas, registros, barras, parafusos e tubos.
Foto arquivo MCJ
Para quem vinha do lado esquerdo, do lado da praia, dava a impressão de uma Torre de Babel, o andaime emaranhado de madeira e ferro subindo pelos ares e lá em cima, uns homenzinhos contra o céu, gesticulando, escorando peças, pregando, puxando correntes de talhas; e, entre eles, Mario, com uma flor de fogo na mão, milagreava, unindo toneladas de ferro em equilíbrio dentro do ar.
A fonte lembra, sugere um Paxorô, cajado de prata que sustenta a imaculada brancura do orixá da criança. E nela a água dos esguichos e repuxos pode ser as contas que lhe cobrem o rosto. Há também pequenos arco-íris. Será Oxumaré?
[ Carybé - Hector Julio Paride Bernabó, artista plástco, argentino naturalizado brasileiro, foi amigo, irmão e compadre de Mario Cravo Jr....]

3 comentários:

  1. Achei muito interessante, aprendir mais saobre as obras que tem aqui na cidade, e soube por quem foram criadas. Valeu muito apena fazer essa pesquisa.

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  2. Um verdadeiro artista de alma e de mente!!!
    Maria kruschewsky

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  3. Sou estudante e tenho 10 anos, depois de aprender a usar o computador comecei a estudar tudo sobre o escultor Mario Cravo e gostei. Também estudo nos livros com a ajuda de Isabela nas visitas ao Espaço Mario Cravo, também assisto palestra, visito a galeria é bem legal! Na escola a professora diz que podemos escolher um artista para agente inspirar, hei Mario Cravo eu escolho sempre o senhor viu? Pois sua arte mexe muito com minha imaginação, é bonita, grande e até sonho com elas. Quando eu crescer vou ser duas coisas enjeiro e escultor para enfeitar as praças e os edificios. Eu ainda to com dengue por isso nao posso te visitar, to muito fraco até pra usar o computador. Um abraço do seu novo amigo Gabriel de Oliveira Magalhães

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